MESTRE AMBRÓSIO
Nos anos 1980, eu, classe média, estudante, com meus 14, 15 anos, tinha um envolvimento informal com a arte. Minha relação com música era através do rock’n’roll, tocando uma guitarrinha ou ouvindo vinil. O corpo se mantinha praticando bicicross e a dança acontecia nas festas e com o embalo da movimentação break dance que acontecia na época.
Recife era uma cidade isolada. Shows, só com a vinda dos poucos grupos nacionais uma vez por ano. Shows de grupos locais, só cover. Equipamentos ou instrumentos, quase ninguém tinha. Tradição, embora sempre acontecendo, não fazia parte do meu dia-a-dia.
Conheci Siba no colégio. Estudamos juntos o 2º grau e nossa amizade aconteceu em torno da música. Ouvindo rock, jazz, reggae e pop africano, com a abertura que começava acontecer um pouco antes do início dos anos 1990. Siba, que estudava música na Universidade Federal de Pernambuco e já tocava com Eder, foi assistente do etnomusicólogo americano John Murphy na pesquisa de mestrado que veio fazer no Brasil.
Foi assim que Siba entrou em contato com o universo cultural da Zona da Mata Norte de Pernambuco. Cavalo Marinho, rabeca e Maracatu começaram a fazer parte da sua vida. Não demorou pra ele me convidar pra conhecer o Cavalo Marinho e a gente começar a brincar Boi e Maracatu Rural no Carnaval.
Numa busca similar, eu também descobria a percussão com o samba-reggae recifense e acordava um forró que já existia em mim com o fole de 8 baixos. E o Cavalo Marinho abria definitivamente a possibilidade de eu ser músico, ator e dançarino ao mesmo tempo. Eder, baterista e roqueiro, por sua vez, entrava em contato com a percussão do Maracatu Nação e com a zabumba do forró.
Assim, estava pronto o contexto no qual foi gerado o Mestre Ambrósio e o impulso que fez nascer o grupo: necessidade de mudança, busca de algo pessoal e particular na música e reencontro com a própria história na vida.
Nascia em solo que também estava sendo remexido por outros grupos. Entre eles Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S.A. Que começavam a chamar a atenção pra cidade e mudar a realidade do cenário musical que existia até então.
O início do Mestre Ambrósio foi de experimentação. Nossa principal referência era o pop africano, que pra nós tinha resolvido bem esse encontro de universos distintos. Mas nossa trilha começou de fato a ser elaborada com os bailes de forró que resolvemos fazer logo no início do grupo. Mesmo sem a gente se dá conta o que isso de fato representava pra nós, sentimos um retorno de público significativo. Isso foi nos guiando. Mazinho entrou nesse momento. Maurício logo em seguida.
Mas também levantamos uma crise, porque não sabíamos como encaixar o forró nas nossas cabeças roqueiras, com referência no trio baixo, guitarra e bateria. Chegamos a ter dois shows: “Mestre Ambrósio Elétrico” (pra suprir nossas necessidades musicais) e “Mestre Ambrósio Acústico” (pra atender as necessidades do público, que pra nossa sorte, já nos cobrava).
Essas questões foram resolvidas quando chegou a hora de gravarmos o primeiro cd. Sérgio Cassiano completou o time e a partir daí começamos a construir nossa identidade, nossa assinatura.
Essa identidade também começou a surgir no palco e foi sedimentada quando fomos fazer nossa primeira turnê na Europa em 1996, especialmente através do trabalho da dançarina-pesquisadora Patrícia Sene, que fez a direção cênica do show que vínhamos esboçando de forma festiva e intuitiva na Soparia.
Depois do primeiro cd o campo de trabalho e a repercussão da nossa música cresceu bastante. O país já tinha os olhos e ouvidos voltados pro Recife. A Europa, com seus festivais de World Music, recebeu muito bem o que estava acontecendo na cidade. Em 1995 Chico Science fez sua primeira turnê e nós em 1996.
Essa movimentação foi tanta que mudamos pra São Paulo no final de 1996. Em dezembro de 1997 fechamos contrato com a Sony e no Abril Pro Rock de 1999 lançamos o “Fuá na Casa de Cabral”, que sedimentou e ampliou nossa música e nossas possibilidades de instrumentação e composição, com Siba e Cassiano dividindo a maioria dessas composições. Foi também nesse momento que nos firmamos mais solidamente como grupo em dois importantes aspectos: nos arranjos e nas apresentações ao vivo.
A partir da base fincada no Sudeste, ficou mais fácil viajar pelo país. As turnês internacionais também se intensificaram com viagens pra Eurpoa, Estados Unidos e Japão. E o terceiro cd foi gravado em São Paulo.
Quando começamos a falar sobre um quarto trabalho, senti a realidade da minha vida diferente da realidade do grupo. Me despedi da banda em janeiro de 2004 e segui estrada sozinho.
Para entender o final do grupo é necessário conhecer as razões de cada um dos integrantes. O que é importante comentar é que sempre estivemos presente de forma intensa e dedicada em cada um dos shows que realizamos. O público sempre foi muito cúmplice. Sem essa relação verdadeira que sempre existiu, não tinha sentido continuar.
Acredito plenamente que no trabalho de cada um de nós, esse sentimento de satisfação, realização e alegria continua. Sendo assim o Mestre Ambrósio continua.
Vida longa aos Ambrósios !!!
Cartaz da Turnê Japão 2002
Estados Unidos 2003
Slovênia 2000
França 2001
Japão 2002